quinta-feira, 1 de março de 2012

Virando a mãe que eu sempre detestei.

Quando eu era criança, sei lá, primário, hoje ensino fundamental, 8, 9, 10 anos, não sei, tinha uma coleguinha que aqui vou chamar de Ana Maria. Com o mundo globalizado talvez ela até chegue a ler esse post e reconhecer-se nos fatos, mas pelo amor, Ana Maria, não me interprete mal.
Pois lá no meu colégio, e creio, no de todo mundo, quando tinha passeio a criança recebia uma filipeta de papel, por meio da qual perguntavam aos pais se autorizavam a criança a ir ao passeio. A filipeta tinha dois quadradinhos. Um sim. E um não. Meus pais sempre marcaram sim. E eu ia feliz ao retiro em algum lugar perto de São Paulo, dar uma rezada e comer um lanche comunitário, ia visitar asilo de freira em Itu, enfim, esses passeios encantadores e tão típicos de escola católica. No máximo rolava circo ou feira do livro. Mas Playcenter, a meca da diversão da época, esse não tinha conversa não... Fosse qual fosse o passeio, minha filipeta vinha com o sim. E beleza, tudo certo.
Tinha também quem não pudesse ir. E aí a filipeta vinha com o não. Sem problema, pai não deixou, filho não vai. A regra era clara.
Mas tinha a Ana Maria. A filipeta vinha sempre com um não. E no verso, praticamente uma monografia no pouco espaço que havia. Eu, com minha mente fértil de sempre, imaginava a mãe ou o pai dela esculhambando a escola e esclarecendo tim tim por tim tim as razões da negativa. Nem sei se Ana Maria ligava para o não, nem sei se ela se importava com a monografia no verso. Mas eu, ah gente, eu morria por dentro. Em tempos em que não existia o termo vergonha alheia eu claramente sentia vergonha alheia. Pensava indignada que os pais bem podiam só não deixar e não fazer a menina entregar aquele bilhete vexatório, cheio de esclarecimento. Gente, pra que tanto discurso? Nossa, era isso e a garrafinha de toddy que um outro garoto tomava todo recreio. Para mim, garrafinha de leite com toddy era a morte. Juro. Podia ser suco, chá, água ou até cachaça. Mas leite. Ai, leite me fazia ter dó imediata da criança. Era isso, uma dó imensa da Ana Maria, uma dó porque ela não ia nos passeios divertidos, não cantava no ônibus, não comprava borracha gigante em Itu e, mais que tudo, porque ela tinha que passar por aquilo que eu achava ser o maior vexame. Naquele tempo eu só queria ser igual. Só queria ir aos passeios, ou talvez não ir, mas não queria chamar atenção pra coisa nenhuma, muito menos pra pai e mãe que fazem discurso.
Tudo isso pra dizer que hoje, quase meio século e uma filha a tiracolo depois, eu estou pra virar a própria mãe da Ana Maria.
Como Mariana é pequena, traz consigo todo dia uma agenda, meio de comunicação entre a escola e os pais. Ai gente, aquela agenda tão novinhas, aquelas linhas tão tentadoras... Nossa, como eu queria fazer uma monografia por dia. Como eu queria contestar cada linha, tecer uma teoria para cada um dos recados inocentes que recebo, opinar sobre cada mínimo detalhe. Tenho texto pronto até para o que ainda não é recado. Tenho resposta pra tudo, inclusive para uma autorização de passeio, que ainda que decretasse o sim, viria com um MAS no verso, cheio de opiniões e recomendações. Mãe quer mesmo falar. A mãe da Ana Maria falava, enquanto as outras mantinham a linha. Vamos ver até onde me seguro.
(Por ora sigo escrevendo aqui, até Mariana aprender a ler e descobrir que no blog o que faço não é muito diferente daquilo que sempre condenei. Patricia Couto. Há décadas cuspindo pra cima.)

12 comentários:

  1. " Há décadas cuspindo pra cima" Perfeito! Tbém sou assim...rs

    ResponderExcluir
  2. Eu também me seguro para não encher aquelas folhas! Acredita que uma vez pedi para uma mãe conhecida para olhar a agenda da menina dela para ver o que ela escrevia? Queria ver se alguém era tão insana como eu. Que bom que você existe!!!!
    Beijos!

    ResponderExcluir
  3. Ai Pati, esse texto veio a calhar. EU descobri ontem que eu sou a mãe da Ana Maria! Respondo a quase todos os bilhetes da agenda e ontem a coordenadora me parou no corredor da escola para me explicar um fato ocorrido, que eu nem tinha achado nada demais, mas segundo ela: "como eu sou sempre muito atenta a tudo, ela achou melhor esclarecer o que tinha acontecido".
    Entendi esse "atenta a tudo" como "chata pra cara$%@#", mas prefiro assim.....heheheh
    Enquanto é só pela agenda, ninguém passa vergonha, né? (eu acho.....rs)
    beijos

    ResponderExcluir
  4. Adorei...eu também poderia com certeza ser a mãe da Ana Maria...adoro receber a agenda da escola e adoro mais ainda escrever nela TODOS os dias...e o pior, adoro quando respondem...rsrs

    bjs

    ResponderExcluir
  5. Ai cumadi, na escola da Duda ainda tem agenda, mas a prof nao anota mais se ela comeu ou nao, xixi, soninho...essas coisas pq , afinal, ela já está no maternal II..oh só que gente grande. Ai eu fico a ver navio tb... nao posso retrucar nadica...
    Ah..outra coisa... EU TB TOMAVA TODDY...buááááá

    ResponderExcluir
  6. E eu fico numa depressão quando não tem bilhete na agenda!!!
    Sou das mães que contesta e dá sugestões de tudo que pode ser feito da escola... isso porque a Lara está no maternal I. Espera ela começar a me contar as coisas que acontecem na escola!!!

    ResponderExcluir
  7. Eu tb escrevo verdadeiras crônicas na agenda do Theo. Não to nem aí. Mesmo agora que a agenda é só pra "comunicação essencial" (e não mais pra sono, lanche e tal), continuo escrevendo. Pq, né, pra gente tudo o que os filhotes fazem é essencial :)
    bjo

    ResponderExcluir
  8. Ahahaha, eu sou a mãe da Ana Maria, com a diferença que eu permito os passeios. Mas tenho opinião para tudo e, no caso de uma escola nova, tenho muiats dúvidas e faço questão de perguntar tudo a todos (professora,cuidadora, diretora, APM)... tenho jeito?
    Beijos

    ResponderExcluir
  9. Sempre o outro lado da história né. Vivendo e aprendendo.

    ResponderExcluir
  10. Hahaha Eu também sou louca pra deixar uns recadinhos na agenda pra professora. Fiquei bem decepcionada quando percebi que não vinha na agenda o dia-a-dia da escola, sabe. Queria que a professora me contasse tudo o que aconteceu no dia, pela agenda, não iria ser muito melhor? hahaha. Beijão, Pat!

    ResponderExcluir
  11. Olha só.... he he he, não me matem. MAS EU SOU A PROFESSORA da Ana Maria.

    Please, please, não joguem pedras, mas vou dar o outro lado da moeda: - MENOS é MAIS. Na escola onde trabalho a resposta dos recados é breve e no portão. Não ficamos mais horas respondendo recados da agenda. E sabe por que? TEMPO. O tempo gasto nas agendas (believe me: 5 minutos X 15 alunos: 75 minutos) seriam 1:15hs que não ficaríamos com as crianças. Não era proveitoso. Virava um circulo vicioso... bola de neve.

    Mas sabe... agente tb gosta(va) da mensagens. As vezes sentimos falta, mas foi uma mudança para melhor!!

    Outro dia, recebi um recado (bem do mal-criado) dizendo que a criança tinha ido embora com o shortinho para trás. O pai, ligou na escola, mandou bilhete e avisou no portão... Too much para algo tão simples.

    Escreva muito, mas somente quando for necessário = really important!! #ficaadica

    ResponderExcluir