quarta-feira, 7 de março de 2012

Mais da filha desapegada. Ou: O vídeo que Mariana vai assistir quando completar 18 anos



O vídeo é repetição de um primeiro chilique ocorrido no dia anterior. Trocamos o carro velho por outro novinho em folha. Chego em casa animada com a troca e convido Mariana para uma volta. A budista chilica geral: - Não gosto de carro novo! Acho muito chato carro novo! Eu só gosto de carro velho.
No dia seguinte, ao entrar novamente no carro e perceber que era o novo já pergunta: - É o carro novo mamãe? E ao ouvir que sim começou de novo a ladainha do vô não, quero não, gosto não. Mas dessa vez gravei. Agora vou guardar para a posteridade e quero ver reclamar de lata velha quando aprender a dirigir.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Virando a mãe que eu sempre detestei.

Quando eu era criança, sei lá, primário, hoje ensino fundamental, 8, 9, 10 anos, não sei, tinha uma coleguinha que aqui vou chamar de Ana Maria. Com o mundo globalizado talvez ela até chegue a ler esse post e reconhecer-se nos fatos, mas pelo amor, Ana Maria, não me interprete mal.
Pois lá no meu colégio, e creio, no de todo mundo, quando tinha passeio a criança recebia uma filipeta de papel, por meio da qual perguntavam aos pais se autorizavam a criança a ir ao passeio. A filipeta tinha dois quadradinhos. Um sim. E um não. Meus pais sempre marcaram sim. E eu ia feliz ao retiro em algum lugar perto de São Paulo, dar uma rezada e comer um lanche comunitário, ia visitar asilo de freira em Itu, enfim, esses passeios encantadores e tão típicos de escola católica. No máximo rolava circo ou feira do livro. Mas Playcenter, a meca da diversão da época, esse não tinha conversa não... Fosse qual fosse o passeio, minha filipeta vinha com o sim. E beleza, tudo certo.
Tinha também quem não pudesse ir. E aí a filipeta vinha com o não. Sem problema, pai não deixou, filho não vai. A regra era clara.
Mas tinha a Ana Maria. A filipeta vinha sempre com um não. E no verso, praticamente uma monografia no pouco espaço que havia. Eu, com minha mente fértil de sempre, imaginava a mãe ou o pai dela esculhambando a escola e esclarecendo tim tim por tim tim as razões da negativa. Nem sei se Ana Maria ligava para o não, nem sei se ela se importava com a monografia no verso. Mas eu, ah gente, eu morria por dentro. Em tempos em que não existia o termo vergonha alheia eu claramente sentia vergonha alheia. Pensava indignada que os pais bem podiam só não deixar e não fazer a menina entregar aquele bilhete vexatório, cheio de esclarecimento. Gente, pra que tanto discurso? Nossa, era isso e a garrafinha de toddy que um outro garoto tomava todo recreio. Para mim, garrafinha de leite com toddy era a morte. Juro. Podia ser suco, chá, água ou até cachaça. Mas leite. Ai, leite me fazia ter dó imediata da criança. Era isso, uma dó imensa da Ana Maria, uma dó porque ela não ia nos passeios divertidos, não cantava no ônibus, não comprava borracha gigante em Itu e, mais que tudo, porque ela tinha que passar por aquilo que eu achava ser o maior vexame. Naquele tempo eu só queria ser igual. Só queria ir aos passeios, ou talvez não ir, mas não queria chamar atenção pra coisa nenhuma, muito menos pra pai e mãe que fazem discurso.
Tudo isso pra dizer que hoje, quase meio século e uma filha a tiracolo depois, eu estou pra virar a própria mãe da Ana Maria.
Como Mariana é pequena, traz consigo todo dia uma agenda, meio de comunicação entre a escola e os pais. Ai gente, aquela agenda tão novinhas, aquelas linhas tão tentadoras... Nossa, como eu queria fazer uma monografia por dia. Como eu queria contestar cada linha, tecer uma teoria para cada um dos recados inocentes que recebo, opinar sobre cada mínimo detalhe. Tenho texto pronto até para o que ainda não é recado. Tenho resposta pra tudo, inclusive para uma autorização de passeio, que ainda que decretasse o sim, viria com um MAS no verso, cheio de opiniões e recomendações. Mãe quer mesmo falar. A mãe da Ana Maria falava, enquanto as outras mantinham a linha. Vamos ver até onde me seguro.
(Por ora sigo escrevendo aqui, até Mariana aprender a ler e descobrir que no blog o que faço não é muito diferente daquilo que sempre condenei. Patricia Couto. Há décadas cuspindo pra cima.)